terça-feira, 25 de agosto de 2009

Surrealismo e Fotografia, por Caroline Pilger e Daniel Gruber

Quando falamos em surrealismo, nos vêm à cabeça duas coisas: aquelas imagens oníricas, que misturam fantasia e realidade, e o pintor catalão Salvador Dali, principal expoente deste movimento artístico.

Dali Atômico

Contudo, Dali não se aventurou unicamente pelas tintas – era um artista completo. Nos anos 40, por exemplo, se juntou a um amigo tão excêntrico quanto ele, Phillipe Halsman, para criar experimentações fotográficas. O trabalho mais famoso dessa união é a foto Dali Atômico, onde o pintor é fotografado pelo colega em meio a um jato de água que banha um grupo de gatos voadores. Alcançar esse resultado não foi trabalho fácil – a cada erro (e foram 27 até acertar) era preciso limpar a água do chão, trocar as roupas molhadas de Dali e sair correndo pelo cenário atrás dos gatos. Mesmo assim, nada foi montado posteriormente.
É um bom exemplo de como o movimento surrealista não ficou restrito aos quadros, mas se estendeu por todos os campos da arte: literatura (como o poeta André Breton, que fundou o movimento ao publicar, em 1924, o Manifesto Surrealista), cinema (como Luis Buñel, de Um cão andaluz) e fotografia (como Alison Brady). E tampouco ficou restrito aos anos 20-40, como sua influência está presente ainda hoje em quase todos os gêneros de trabalhos artísticos. O atual David La Chapelle, americano, é um dos mais badalados fotógrafos de celebridades: de atores de Hollywood a popstars. A estética de suas obras, que exageram nas cores, se misturam às suas montagens oníricas, deixando-a próxima da imagem de um sonho.
Alison Brady

La Chapelle

Entretanto, queremos tratar aqui o trabalho específico de dois fotógrafos: Henri Cartier-Bresson (1908-2004) e Man Ray (1890-1976).

Henri Cartier-Bresson


Seguindo a premissa de que o Surrealismo pretende explorar a força criativa do subconsciente, valorizando um anti-racionalismo, a livre associação de pensamentos e os sonhos, norteado pelas teorias psicanalíticas de Freud, como podemos enquadrar uma fotografia neste quesito? A fotografia, diferente das outras artes, é a que mais se distancia da ficção – tudo o que ela mostra é real. Mas será mesmo?

O francês Henri Cartier-Bresson, apesar de também ser considerado um dos pais do fotojornalismo, recebeu forte influência de seus amigos surrealistas da década de 30. Curiosamente, Bresson detestava a ficção. Ele se interessava unicamente pelos momentos extraordinários que flagrava. E pela sua sensibilidade e capacidade de capturá-los, em sua câmera 35mm, foi considerado por alguns como o maior fotógrafo do século XX.

Foi criador da agência de notícias Magnum, acompanhando repórteres de texto de diversos jornais do mundo em suas reportagens. Suas fotografias se tornaram tão célebres que Bresson passou de coadjuvante a protagonista nas reportagens, tendo suas belas imagens como plano de destaque. Suas imagens aliam o caráter documental a um cuidado estético que começou a ganhar relevância na década de 1920. O grupo vanguardista da época recorreu a artifícios de laboratório, como as colagens e os fotogramas, para declarar a autonomia da fotografia diante da realidade.

Enquanto alguns fotógrafos, como Walter Benjamin, acreditam que a fotografia é “o inconsciente da visão”, ou como Susan Sotang, que é a “arte da ilusão”, o francês Henri Cartier-Bresson a vê como o retrato da primeira impressão. Ele jamais se interessou pela técnica ou pela fotografia artística, e criticava aqueles que criavam fotos “montadas”. Sua paixão era pelo registro dos momentos. A principal característica de suas fotos é o significado da cena, e, por isso, criou um verdadeiro mote ao dizer que “o segredo do fotógrafo não está no olho, e sim no dedo”.

Bresson não tem interesse algum pela ficção. Segundo ele, uma vez foi tentado pelo cinema, e chegou a trabalhar com o cineasta Jean Renoir. Mesmo assim, seu interesse era pelo cinema de documentários – a verdadeira paixão de Bresson era pela realidade. É importante ter isso em mente para compreender suas fotos, que, além da beleza estética que ele próprio nunca admitiu, vai além do artístico visual e emociona pelo poder de denúncia, pelo sentimento que cada um dos momentos flagrados transmitem ao público.

De personalidade forte, Bresson sempre recusou a interpretação de seu trabalho. E é inegável que a maioria de suas fotos possa ser interpretada de formas diversas pelo expectador, já que toda a arte é subjetiva. Mesmo assim, ele diz: “eu não tenho nada para contar. Eu vou, olho, as coisas me surpreendem. Isso é puramente visual. Tenho horror da palavra conceitual”.



Outra contradição em suas palavras é o fato de ter sido incrivelmente influenciado pelo surrealismo, que é humanista e imaginativo. Ele diz amar o homem, mas não confia na sociedade. “Ainda bem que sou velho”, disse em uma entrevista pouco antes de morrer, “conheci outro mundo”.
Henri Cartier-Bresson nasceu em 1908 na cidade francesa de Chanteloup-en-Brie. Faleceu 95 anos depois, em 2004, na cidade de Cereste. Bresson vinha de uma família classe média, relativamente abastada, que trabalhava na indústria têxtil. Quando criança ganhou uma câmera fotográfica Box Brownie, com a qual produziu inúmeros instantâneos. Sua obsessão pelas imagens levou-o a testar uma câmera de filme 35 mm. Além disso, Bresson também pintava e foi para Paris estudar artes em um estúdio. Na juventude teve aulas de desenho com importantes pintores da época. Em 1931, aos 22 anos, viajou à África, onde passou um ano trabalhando como caçador. Uma doença tropical obrigou-o a retornar à França. Foi neste período, durante uma viagem a Marselha, que ele descobriu verdadeiramente a fotografia, inspirado por uma imagem do húngaro Martin Munkacsi publicada na revista Photographies em 1931. A fotografia, chamada Três garotos no Lago Tanganyika, mostra três crianças negras correndo em direção às ondas de um lago no Congo.
O momento exato que expressava aquela situação foi congelado nesta fotografia, que impressionou Bresson por toda a vida. ''O equilíbrio plástico desta foto suspende seu ímpeto pela vida. Um retorno às origens. A mais nobre humanidade”. Dizem aqueles que o conheceram que é a única foto em sua parede. Esta foto foi o gatilho de sua efervescente carreira de fotógrafo.

Man Ray

Emanuel Rabinovitch, nascido em Paris, mas radicado nos EUA, ingressou no movimento vanguardista de 1920 e fundou, junto com o pintor francês Marcel Duchamp o grupo Dada americano. Era também pintor, e logo ingressou no surrealismo.

Como cineasta, produziu filmes surrealistas, como L'Étoile de Mer (1928), com o auxílio de uma técnica chamada solarização, pela qual inverte parcialmente os tons da fotografia. Muda-se para a Califórnia em 1940, para explorar as possibilidades expressivas da fotografia.
Com Duchamp, participa em experimentos fotográficos e cinematográficos e na publicação do único número do New York Dadá. Impulsionado por Duchamp, Man Ray se mudou para Paris em 1921, com a única exceção de 10 anos (entre 1940 e 1951) que viveu em Hollywood durante a Segunda Guerra Mundial, passou o resto de sua vida ali. Possuidor de uma grande imaginação, e sempre à frente das vanguardas, trabalhou com todos os meios possíveis: pintura, escultura, fotografia e filmes.

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